27/08/2025

STF vai unificar regra para julgamentos de indenização por cancelamento ou atraso de voos

Por: Paulo Ricardo Martins
Fonte: Folha de S. Paulo
O STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu a repercussão geral de um caso
que analisa se a responsabilidade por cancelamento, alteração ou atraso de voo
por motivo de caso fortuito ou força maior deve seguir normas do CDC
(Código de Defesa do Consumidor) ou do CBA (Código Brasileiro de
Aeronáutica).
O tribunal fará um novo julgamento para decidir qual norma valerá para esses
processos, ainda sem data marcada.
Aeronaves no Aeroporto de Congonhas - Bruno Santos/17.ago.23/Folhapress
O recurso foi movido pela companhia aérea Azul, que contesta uma decisão
proferida a favor de um passageiro que chegou atrasado ao destino depois de a
empresa remanejar o voo por más condições climáticas.
Na ação, os advogados do passageiro relatam que o voo, que iria do Rio de
Janeiro para Corumbá (MS), com escala no aeroporto de Viracopos, em
Campinas (SP), foi interrompido nos arredores de Bonito (MS), e parte dos
passageiros teve de seguir viagem por meio de um ônibus oferecido pela
companhia aérea. Inicialmente, a chegada em Corumbá estava prevista para as
9h30 do dia 6 de agosto de 2024, mas, com o atraso, o passageiro chegou ao
destino à 1h15 do dia seguinte.
Os advogados afirmaram ainda que o passageiro teve um gasto extra de R$ 76
com alimentação durante a viagem de ônibus.
O 1º Juizado Especial Cível da Regional da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro,
condenou a Azul a pagar R$ 107 de indenização por danos materiais e R$ 8.000
por danos morais.
No recurso extraordinário ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a Azul disse
que o voo não prosseguiu por causa de condições climáticas desfavoráveis.
"A companhia aérea se vê obrigada a não decolar por questões de falta de
autorização e segurança operacional, cuja razão é de um evento da natureza
imprevisível. Mas, ao contrário do que se espera, a empresa é condenada, pela
simples ocorrência do atraso ou remanejamento do voo, ao pagamento de
danos morais; pior, sem qualquer tipo de comprovação", escreveu a defesa da
companhia aérea.
A judicialização excessiva é uma reclamação antiga das companhias aéreas
brasileiras. A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) afirma que,
neste ano, o impacto de gastos com processos judiciais deverá ultrapassar o
patamar de R$ 1 bilhão. Segundo a entidade, o cenário é "incompatível com os
altos índices de pontualidade e regularidade registrados pela aviação brasileira".
Segundo o painel de indicadores do transporte aéreo da Anac, a porcentagem
dos gastos do setor aéreo brasileiro com condenações judiciais vem
apresentando leve alta nos últimos dois anos, mas ainda está abaixo do patamar
observado na pandemia. Em 2024, condenações judiciais representaram 1,3%
das despesas das companhias.
Com a repercussão geral, a decisão do STF no próximo julgamento passará a
valer para todos os casos que envolvam danos por cancelamento ou atraso de
voos.
Especialistas afirmam que o Código de Defesa do Consumidor é o mais
favorável e justo aos passageiros. Maria Inês Dolci, advogada especializada na
área da defesa do consumidor, explica que o CBA (Código Brasileiro de
Aeronáutica) limita a quantia de indenização paga ao consumidor. Segundo ela,
os juízes hoje optam por seguir o CDC por entenderem que os processos
envolvem uma relação de consumo entre viajantes e companhias aéreas.
No recurso extraordinário, a Azul pede, além da repercussão geral, que a Corte
imponha o regime jurídico de responsabilidade civil estabelecido pelo CBA,
especialmente nos artigos 251-A e 265.
A norma define que, para conseguir indenização por falha na execução do
contrato de transporte, o passageiro ou o expedidor da encomenda (em caso de
transporte de carga) tem de demonstrar a efetiva ocorrência do prejuízo.
Diz também que, a não ser que o dano atinja o valor de todos os volumes,
somente será considerado, para a indenização, o peso dos volumes perdidos,
destruídos, avariados ou entregues com atraso.
"No meu entendimento, a limitação da indenização para o consumidor é um
dano enorme. A decisão do STF é complexa, tem muito interesse econômico e
social e, portanto, nós somos pela aplicação do Código de Defesa do
Consumidor, porque não tem a limitação da indenização, o consumidor está
protegido o dano sofrido pelo cancelamento", diz Dolci.
Para Mayara Barretti, advogada do escritório Barreto Dolabella e especialista
em direito do consumidor, o CBA é ultrapassado e não considera a Constituição
de 1988. A norma da Aeronáutica entrou em vigor em 1986, durante o governo
José Sarney.